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Convulsões e epilepsia

01/07/2016

Convulsões e Epilepsia

 

O termo convulsão é usado para definir movimentos involuntários e incontroláveis, causados por uma descarga elétrica excessiva em neurônios cerebrocorticais. É apenas um sinal clínico de que algo não está bem com o sistema nervoso central (SNC), mas que não necessariamente a causa do problema seja cerebral.  Dependendo do local afetado e do tipo de descarga elétrica, a manifestação clínica da convulsão pode variar.

Epilepsia é caracterizada pela súbita perda de controle, com manifestação paroxística/episódica (subitamente aparecem e somem), convulsão transitória (duração de no máx 2 minuos) e os sintomas clínicos da convulsão seguem um esquema repetitivo onde os sintomas e sequencias são indenticas nos episódios.  Sinais clínicos incluem alteração no nivel de consciência, alteração motora, sensorial, autonomica e comportamental.

Causas

As causas podem ser basicamente intracranianas ou extra-cranianas.

1) Intracranianas: por distúrbios cerebrais primários, como distúrbios funcionais dos neuronios (epilepsia idiopática) ou lesões cerebrais estruturais que irritam neurônios circundantes. Elas podem ser ativas (neoplasias, encefalites causada pela cinomose por ex.) ou inativas (cicatrizes gliais). Exemplos de causas intracranianas:

  • Congênitas: hidrocefalia, displasia neuronal
  • Traumáticas: hemorragia (difusa ou hematoma), edema cerebral, cicatriz pós trauma cerebral
  • Acidente vascular cerebral (derrames): derrame isquêmico (por trombos ou embolos), hemorrágico (lesão ou ruptura vascular cerebral)
  • Inflamatórias: meningite asséptica, meningoencefalite granulomatosa, encefalite do cão Pug
  • Infecciosas: viral (cinomose, Fiv, Pif), bateriana (meningite, meningoencefalite, abscesso), erliquisose, toxoplasmose
  • Neoplasia (câncer):  cancer cerebral primário, metastases cerebrais

 

2) Extracranianas estão relacionadas a problemas em outros órgaõs que de forma indireta afetam os neurônios, como por exemplo distúrbios metabólicos graves (uremias por IRC, hiperamonemia por insufiência hepática, hipoglicemia etc) ou exógenas como toxinas convulsiogênicas, como ingestão de determinados raticidas e venenos.

 

O termo epilepsia deve ser restrito aos distúrbios convulsivos com causas intracranianas inativas, e sua classificação varia de acordo com a causa de base. Podendo ser classificada como:

  • Idiopática ou primária:  sem causa definida, não há alterações estruturais no cérebro.  A epilepsia primária resulta de distúrbios cerebrais funcionais para os quais não há outra causa subjacente além de uma predisposição genética/ hereditária.  
  • Epilepsia sintomática:  é denifida como uma convulsão com causa conhecida do SNC, ou seja, quando uma alteração focal do SNC  pode ser identificada. É caracterizada por convulsões parciais com ou sem generalização secundária.
  • Epilepsia provavelmente sintomática /crioptiogenica/causa indeterminada: é o nome dado para as epilepsias com uma suspeita de causa, mas que permanece desconhecida.        

Epilepsia é a doença neurológica mais comum nos cães e nos gatos, sendo estimada em 1,5 a 5,7% nos cães e 0,5% nos gatos. Pode exister uma predileção familiar, que já foi relatada em várias raças como Beagle, Keeshound, , Golden Retriever, Labrador, Vizla, Bernese, Shetland Sheepdog, and English springer spaniel.

Convulsões epiléticas ocorrem tipicamente quando o animal está quieto, dormindo ou acordando, isso porque limiar excitatório cerebral é mais baixo nestes estados do que quando o animal está acordado e em atividade. Em individuos com epilepsia, convulsões podem ser provocadas por fatores externos como agitação/excitação, flashes de luz e privação de sono.

 

Tipos de convulsões e Sinais Clínicos

A manifestação clínica das convulsões está diretamente relacionada ao local e distribuição da atividade elétrica anormal no cérebro. Convulsões epiléticas podem ser classificadas como generalizada primária, convulsões focais (ou parciais) e convulsões focais com generalização secundária.

- Generalizadas primária: há uma alteração brusca da atividade elétrica normal do cérebro, nos dois hemisférios cerebrais. Sem aviso, o animal colapsa manifestando sinais como perda de consciência, decúbito e sinais motores generalizados, sendo que a maioria das convulsões generalizadas manifesta-se  com atividade motora violenta que envolve todo o corpo (convulsões), com contrações musculares tônicas (mantidas) ou clônicas (repetitivas), movimento de pedalagem e tremores.  Com frequencia observam-se movimento de mastigação e contração facial. Dilatação pupilar, salivação, ereção dos pêlos, micção e defecação são comuns.

- Parciais ou focais: tem início focal em um hemisfério cerebral e disseminação limitada dentro do cérebro, sua ocorrência indica presença  de uma lesão cerebral focal adiquirida.  A atividade elétrica anormal aparece em determinados grupos de neurônios localizados numa área específca do cérebro (foco epilético) e os sinais clínicos refletem a função da área envolvida. Podem ocorrer sinais de alterações motora, sensorial, autonomica ou psiquica comportamental.  Os sinais de convulsões focais podem ser visto nos animais como um fenômeno motor localizado que pode variar de um tique nervoso ritmico de extremidade, piscar de olhos ritmicos e anormais e em gatos tiques nos bigodes. Além de alterações psíquicas/comportamentais como ansiedade, descorforto, inquietação ou  componentes parassimpaticos /epigastricos, manifestando-se por hipersalivação, vomito e pupilas dilatadas

Convulsoes  focais nos seres humanos, são tradicionalmente dividas em convulsão focal simples, no qual não há perda de consciência e convulsão focal complexa  no qual há perda da consciência. Porém nos animais tal observação é subjetiva e dificil avaliar com certeza.

 

  • Focal Simples: não causam alteração de consciência, pois são lesões limitadas a determinadas estruturas neurocorticais. Observa-se sinais motores unilaterais, como contração facial, movimentos tônicos ou clônicos de um ou ambos membros e viradas espasmódias da cabeça para um lado, sendo contralateral ao foco convulsivo.
  • Focal Complexas: a disseminação da convulsão envolve estruturas alocorticais e costumam continuar bilateralmente, a consciência é prejudicada  ou completamente  perdida  e pode haver sinais motores contralaterais ou bilaterais assimétricos ou simétricos em geral limitados a algumas partes do corpo. Atividades e comportamentos esteriotipados bizarros, por ex. andar em círculos, postura de alarme, rosnados, persseguição e ataque a objetos imaginários ou reais, correr em pânico também  podem  ser observados.  A consciência fica  prejudicada ou é perdida e há atividade motora bilateral que em geral não resulta  em decúbito (queda), no entanto o animal interrompe  o que estava fazendo ( por ex. para caso se estivesse se movimento e pode se sentar se estiver em pé). Os sinais motores limitam-se a contração facial bilateral,  movimentos mandibulares  mastigatórios ou estalar dos lábios,  as vezes com tremor generalizado discreto ou espasmos do pescoço e das extremidade frontal.Ocasionalmente pode haver redução da função motora fazendo com que o animal tropece, rasteje ou não conseiga erguer-se e andar. O cão ou gato pode ainda estar alerta e responsivo em grau variável. Algumas convulsões tidas como generalizadas podem ser na verdade parciais complexas.

Se a atividade elétrica do foco epilético se tornar muito intensa a convulsão focal pode espalhar para estruturas sobcorticais que envolve o cérebro todo, tornando-se uma convulsão generalizada secundária. Os sintomas iniciais são de convuslão focal, seguida dos sinais da generalizada. Este é o tipo mais comum de convulsão obervada nos cães. O início dos sinais focais, as vezes são tão leves ou rápidos (de segundos a minutos) que podem nem ser percebidos pelo proprietário que acabada presenciando somente as alterações generalizadas.

Podem ocorrer convulsões como eventos breves isolados (que em geral duram 2 minutos ou menos) convulsões seguidas ou agrupadas ( 2 ou mais em um período de 24 horas ) ou estado epilético (convulsões mantidas  ou seriadas que duram pelo menos 30 minutos).

           

Aura

Um marco das convulsões parciais é a aura. Considera-se aura a parte inicial de uma convulsão, que acontece  antes que a consciência seja alterada e durante a qual a memória é retida nas pessoas, podendo durar minutos a horas. Corresponde ao início de uma convulsão parcial simples, antes de evoluir para a convuslão parcial complexa ou generalizada.  Em animais manifesta-se com maior frequência por alterações no comportamento poucos segundos ou minutos após o início da convulsão como por ex: desvio de atenção ou retirada, depressão ou agitação, andar perdido, ganidos e uivos. Em humanos, as convulsões focais simples tem seus sinais reconhecidos como um alarme, em alguns animais, os proprietários são capazes de perceber e preverem uma convulsão quando os primeiros sinais aparecem.

 

Fases da Convulsão

Uma convulsão epilética pode ser dividida em duas fases: ictal (durante atividade convulsiva) e pós-ictal (restabelecimento da função normal do cérebro pos convulsão). Ictus consiste na primeira convulsão generalizada, uma convulsão focal ou uma focal com generalização. Na fase pós-ictal, o cérebro volta a sua atividade normal e tipicamente o animal se apresenta cansado, desorientado, ataxico, esfomeado, com sede, com dificuldade visual e/ou em alguns casos agressivos. Esta fase pode durar de poucos minutos até muitas horas.

 

Diagnóstico

É muito difícil o veterinário conseguir presenciar o início da convulsão, e portanto depende exclusivamente da descrição do proprietário sobre o quadro, com histórico  dos episódios, como idade da primeira convulsão, exposição a virus e toxinas, duração do quadro, tempo de recuperação, alterações físicas encontradas, somados a achados de testes neurológicos, exames laboratoriais e/ou de imagem. Após ter sido comprovado que o quadro trata-se de uma convulsão, é necessário determinar se a causa é intra ou extra-craniana, e para isso deve ser feito diversos exames laboratorais e/ou de imagem.

Hemograma, urinálise, exames bioquímicos são feitos na intenção de buscar causas extra-craniais para as convulsões. Exames mais específicos como eletroncefalograma é de grande utilidade, porém de difícil aplicação nos cães e gatos.  Exames mais modernos como tomografia computadorizada e ressonância magnética são utéis em detectar alterações intra-cranianas. Análise do liquor (líquido cerebroespinhal) é importante principalmente nas suspeitas de causas infecciosas.

Muitas vezes, apesar da investigação diagnóstica extensa, costuma ser difícil estabelecer a causa das convulsões, principalmente se a causa  for intracraniana.

Porém, o principal objetivo não é determinar a causa exata do problema, mas sim excluir condições  que necessitam ou se beneficiam de medicação específica  (encefalites por ex) ou tratamento cirúrgico (neoplasias), uma vez feito isso, a única opção terapêutica são os medicamenttos sintomáticos para epilepsia.

 

Tratamento

A terapia anticonvulsiva a longo prazo, é iniciada quando as convulsões tornam-se frequentes, em média 2 convulsões com intervalo menos que 6 semanas ou se as convulsoes se tornarem agrupadas, prolongadas ou o animal entrar em estado epilético. O estado epilético e as convulsões agrupadas são emergências e o tratamento deve ser feito o quanto antes com uso de medicações injetáveis aplicadas pelo médico veterinário.

O tratamento de manutenção é feito com medicações via oral administradas pelo proprietário, sendo que o tratamento visa reduzir a frequencia das convuslões para menos de 1 cada 6 a 8 semanas. Há várias drogas que podem ser usadas, mas as mais comuns na clínica de cães e gatos é o fenobarbital e o brometo de potássio, que podem ser usados separadamente ou em conjunto nos casos resistentes. Estas medicações são administradas de 1 a 2 vezes ao dia.

Devido aos efeitos colaterais das medicações, o animal em tratamento deverá fazer exames de sangue cada 3 meses para avaliar a função hepática e presença de discrasias sanguineas (alterações nas células do sangue causadas pela medicação), bem como dosar o nível das drogas no sangue, para mante-las no nivel terapeutico adequado, já que concentração sanguinea de fenobarbital varia muito entre individuos e por isso é necessária sua monitoração através de exames laboratoriais, para que a dose adequada seja adaptada a cada paciente. O fenobarbital é metabolizado pelo fígado e seu pico  de ação do é alcançado após +- 2 semanas de tratamento, quando deve ser feito a mensuração da concenttração plasmática. Caso o animal esteja bem controlado a dose é mantida, se novos quadros convulsivos aparecerem a dose é aumentada até o máximo de nivel sanguineo aceito.

Caso mesmo no nivel máximo, o animal continue apresentando convulsões uma nova droga deve ser adicionada ao protocolo de tratamento. Cerca de 50% dos cães  que não estão bem controlados somente com o fenobarbital, tornam-se estáveis com a adição do brometo de potássio, porém este pode levar de 3 a 4 semanas para alcançar pico de ação.

Um grande problema no tratamento dos pacientes epiléticos é lidar com um grupo não tão pequeno de pacientes que se tornam refratários ao tratamento com fenobarbital e/ou brometo de potássio. Atualmente, tem-se observado que em alguns cães que não respondem bem a estas duas medicações, a adição de uma terceira droga antiepilética humana pode ser benéfica, entre elas a gabapentina, levotiracetam e zonisamida.

O diazepam é uma droga especialmente efetiva no controle agudo das convulsões, e é a droga de escolha no tratamento inicial do estado epilético, mas não é útil como tratamento a longo prazo, pois os cães desenvolvem resistência a droga em apenas alguns dias, e para os gatos a longo prazo pode gerar danos hepáticos.

A castração de animais convulsivos, é indicada (tanto nas fêmeas como machos), pois contribui para redução do estress fisiológico do período do cio nas fêmeas e nos machos por diminuir o estímulo ao cheiro de fêmeas no cio, que pode ser tão estressante a  ponto de desencadear quadros convulsivos.

 

Prognóstico

O prognostico a longo prazo varia muito com a causa e evolução da doença de base. Alguns animais permanecem bem somente com uma medicação, precisando de ajustes periódicos na dosagem, já outros animais com o tempo vão se tornando resistentes as medicações com recidivas dos quadros convulsivos, e necessitam de associações de 2 até 3 drogas, o que torna o prognóstico menos favorável e o custo do tratamento alto.

 

Monitorando pacientes epiléticos

Um paciente epilético deve ser examinado pelo menos duas vezes ao ano para assegurar um bom controle, bem como realizar exames laboratoriais de concentração dos medicamentos. Ou sempre que houver recidivas do quadro convulsivo.

O proprietário deve sempre manter um diário sobre os episódios convulsivos, constando data, duração do quadro, para que o tratamento possa ser reavaliado.

Caso o tratamento não esteja tendo sucesso, possíveis causas devem ser consideradas:

  • Diagnóstico incorreto
  • Escolha incorreta da droga antiepilética
  • Dosagem inadequada da medicação
  • Falha em monitorar niveis plasmáticos
  • Falta de cooperação do proprietário com o tratamento
  • Presença de doença sistêmica causando aumento no metabolismo ou excreção das medicações antiepiléticas
  • Ganho de peso pelo paciente,  que necessite ajuste nas dosagens
  • Desenvolvimento de tolerância a droga
  • Monoterapia  insuficiente

 

Além disso vale lembrar de outras informações imnportantes com  relação ao tratamento:

  • Nem todos os pacientes se tornarão livres de convulsão, mas podem apresentar uma redução aceitável dos quadros
  • Para alguns animais não é possível alcançar um bom controle medicamentoso associado a uma boa qualidade de vida
  • A doença do animal pode ser psicologicamente exaustiva para sua família
  • Efeitos colaterais são esperados com o uso a longo prazo
  • Controle regular é necessário
  • Convulsões agrupadas podem ser potencialmente perigosas, é importante donos de cães epiléticos terem em mãos telefone de emergência do médico veterinário
  • Remissão espontânea do quadro é possível
  • Algumas vezes o proprietário poderá ter que medicar seu animal durante uma crise convulsiva até que o veterinário possa vê-lo

 

 

 Artigo traduzido e adaptado por Maricy Alexandrino, a partir do artigo: Epilepsy in the dog and cat: Clinical presentation, diagnosis, and therapy,  de  M. Berendt. Publicado no EJCAP - Vol. 18 - Issue 1 April 2008.

Referencias Bibliográficas:

ETTINGER, S.J.; FEELDMAN, E.C.; Tratado de Medicina Interna Veterinária, 5º ed. Vol. 1, Rio de Janeiro: Guanabara, 2004.

 

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